Ângelo Beck

Rosa!

Postado em 25 de Maio de 2018

Desde que cheguei, ao ano de 1500, no litoral do Brasil, não passava um só momento sem descobrir alguma coisa interessante. O cultivo de mandioca, a maneira de cozinhar, vestir, morar... Durante aquela manhã acompanhei os índios em uma caçada. No meio do dia chegamos à aldeia com alguma caça que pretendíamos assar para o almoço, porém, ao chegarmos na aldeia, encontramos um grande alvoroço. Mulheres gritando, crianças com medo agarradas às mães. O que era aquilo? Tentei compreender, porém, a falta de domínio da língua dificultava o diálogo. As crianças gesticulavam, faziam mímicas, representavam... Uma cambuca sobre a água... Outro mostrava que era grande... Seria um barco? Canoa? Taroga? Pioga? Maior? Do tamanho da taba grande! Meu Deus, o que seria aquilo? Nos puxavam em direção à praia. Entendi: Eram navios.

Me perguntaram se eu conhecia algo parecido. Sim, conhecia. Seria perigoso? Não sei. Acho que não. Fomos para a praia em silêncio. Um tanto temerosos. Eram vários navios e não haviam aportado ainda. Reconheci as bandeiras portuguesas e a cruz de malta nas velas. Exclamei um: "Ah! São portugueses!" Logo uma enxurrada de perguntas:

  • "Você os conhece?"

  • "São amigos?"

  • "O que querem?"

  • Calma, calma... são boa gente. Não sei o que querem...

Então lembrei-me de que, pelos cálculos, deveria estar na época do descobrimento do Brasil. Então perguntei que dia era aquele.

  • Hoje é dia de caçada!

  • Não! A data!

  • Data?

  • É! Em que ano estamos? 1500?

  • Ano?

Que tolice! Como fui me esquecer. Índios não contam os anos. Isto fazem os portugueses que acabavam de desembarcar da navio e vinham com seus botes até a praia. Pediram para que eu falasse com eles, já que os conhecia. Não foi uma boa idéia. Eu conseguia me comunicar tanto quanto os próprios índios. É o sotaque. Ininteligível. De 1500 a 2000 a língua modificou-se bastante. A fala enrolada dos portugueses não ajudava. O cacique então tomou a palavra e começou ele mesmo o diálogo. Gestos, mímicas...

O que os portugueses traziam era realmente interessante. Principalmente as contas de vidro e outras jóias. O cacique conseguiu o cobiçado colar de contas do comandante, que fazia menção de que queria algo em troca. O comandante tentava explicar que queria ouro e eu logo compreendi. Pediram para que eu explicasse o que aqueles homens barbados queriam e tentei lhes explicar. Novamente em vão. Eu não havia visto ouro dês de a minha chegada. Como lhes explicaria o que era OURO? Indiquei ao cacique o que poderiam dar de presente aos marinheiros: Viveres. Comida e água. Depois de longas semanas no mar, levar os marinheiros até um rio de água límpida e doce foi uma ótima idéia.

Me perdi em devaneios. Olhando aquele rio de águas transparentes, as florestas, a praia... Tudo tão intocado. Logo logo se transformaria em uma grande metrópoles. O riacho de águas claras... será que existiria em 2004? Eu estava presenciando o descobrimento do Brasil. Para os índios tanta novidade, para os portugueses, esperança, para mim apenas uma melancolia. A cena se desenrolava na minha frente e duas lágrimas a transformaram em borrões. Ouvia a conversa animada dos portugueses, o cantarolar das índias que vinham pegar água no rio. Até que alguém tocou em meu ombro e me chamou pelo nome:

  • Rosa!

Tentei me virar, mas uma luz ofuscante bateu em meu rosto

  • Rosa!

Insistiu. Tapei meus olhos com as mãos.

  • Acorda minha filha. É hora de ir para a escola!

Ah sim, claro... escola? Quando?

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