Ângelo Beck

Um presente de Natal

Postado em 25 de Maio de 2018

Olá caro amigo,

quando eu era criança, a data mais esperada era o Natal. Imagine como é para uma criança a felicidade de ganhar um presente! Desde cedo aprendemos a não pedir presentes para o Papai Noel. Aprendemos que o Papai Noel sabe melhor que ninguém o que é que precisamos.

Quantas vezes eu não ganhava o que eu havia desejado; quantas vezes o Papai Noel trouxe presentes surpreendentes, muito mais legais do que o que eu poderia ter imaginado.

Uma bicicleta. Era a bicicleta do meu primo... mas não era mais a bicicleta do meu primo: meu pai a havia pintado toda de vermelho e colou adesivos. Ficou igualzinho como nova! Mas era mais do que uma bicicleta nova, pois aquela o meu próprio pai havia reformado.

Outra vez, ganhei um violino. Não era um violino novo. Mas era melhor que um violino novo. Ele havia sido de um amigo, e já era bastante antigo. E, você sabe: violinos antigos têm uma voz muito mais bonita que os violinos novos. Porque a madeira dos violinos antigos teve tempo de secar e ficar mais leve.

Outra vez, ganhamos uma caixa cheinha de jogos. Tinha tantos jogos lá dentro... Ludo, gamão, xadrez, baralho, loto, general, varetas... Não eram jogos novos. Na verdade eram os nossos próprios jogos, aqueles velhos conhecidos nossos. Mas meu pai fez uma caixa de madeira só para eles. A caixa era toda repartida, de forma que cada jogo tinha sua morada, e assim, tudo ficava organizadinho. Agora podíamos carregar os jogos quando fôssemos acampar.

Também ganhávamos coisas novas. Uma caixa de lápis com 48 cores; roupas; mochila... tudo o que precisaríamos durante o ano. O Papai Noel sabia o que precisávamos!

Mas a infância, aos poucos, foi sendo deixada para trás. No Natal, não ganhávamos mais grandes presentes como jogos, bicicletas, patins... Mas uma coisa nunca mudou: sempre aquilo que recebíamos tinha um toque especial do pai, da mãe, de um amigo...

Também eu não precisava mais de grandes presentes, porque o que eu queria não podia ser comprado de qualquer jeito: ir à praia, passear no sítio, viajar... E percebi que a vida me dava muitos presentes: eram pores de Sol; as garças voando; subir numa montanha bem alta e ver a vista lá de cima; rolar nas dunas; andar de barco; soltar papagaios, ver um arco-íris...

Aos poucos fui aprendendo que, mesmo que seja importante ter as coisas, as grandes coisas, estas nunca poderemos possuir. Mas, mesmo sem as possuir, ainda assim elas podem ser nossas.

E isto continua valendo até hoje, mesmo depois de eu ter ficado cego.

Claro que eu não posso mais ganhar alguns dos presentes que eu ganhava. Ao subir uma montanha, não posso desfrutar da bela vista; não posso mais ver as garças voando na beira da praia; o pôr do Sol, as estrelas, a Lua, as nuvens... E eu sinto saudades. Quando lembro, quando sonho... Agora só ouço as suas vozes: das graças, da chuva, de todos os pássaros... do vento, dos carros, das máquinas, das pessoas...


Não foi fácil fechar as janelas da visão. Fiquei bastante desesperado. Mesmo sabendo que a vida poderia me oferecer mais do que aquilo que eu poderia ver, como é que eu poderia continuar a fazer tantas coisas que eu amava? Como é que eu poderia fazer a iluminação das peças de teatro da escola? Como é que eu poderia andar de bicicleta? Como é que eu poderia desenhar? ...

A vida parece que virou do avesso.

No início fiquei muito assustado: as coisas todas agora eram diferentes, mesmo que eu já as conhecesse. Minha casa, meus amigos, as coisas que eu fazia... Tive que conhecer tudo de novo, de um outro jeito.

E aos poucos, fui descobrindo que muitas das coisas importantes, estas eu não tinha perdido. Para dizer a verdade, as coisas mais importantes da vida, estas eu não as perdi. Estas coisas sempre estiveram lá. Mas na infância, eu não as podia ver. Eu via bicicletas, jogos, lápis, caderno... Depois fui percebendo pôr de Sol, pássaros, montanhas, Lua, estrelas... Mas quando fiquei cego... pude ver pai, mãe, irmãos, esposa, amigos... E estas são as coisas mais importantes.


O menino Jesus eu conhecia. O Natal sempre foi comemorado de forma muito especial lá em casa. Enfeitávamos um pinheirinho - mas não era um pinheirinho de plástico, era um pinheiro vivo, de verdade! Colocávamos velas nele - e eram velas de verdade! Enfeitávamos o presépio com barba de velho, um pouco de areia da praia, pedras... dispúnhamos as figurinhas no presépio: os pastores, as ovelhas, José, Maria, a vaca e o burrinho, o galo, os três reis magos com seus camelos... e, no dia do natal, lá estava o menino Jesus, em meio as palhas.

Ouvíamos atentamente as histórias de natal, as palavras da Bíblia... É verdade que, quando éramos criança, estávamos ansiosos pela hora de abrirmos os presentes. Mas tudo era especial: as nozes na mesa do jantar, a toalha de mesa com motivos natalinos, o ambiente iluminado à luz de velas, os enfeites, o presépio, as cantigas de natal...

Mas uma parte desta magia se perdeu na infância. As nozes, no natal, hoje só são especiais porque lembram daquela magia, aquele gostinho de natal da infância. Durante muitos anos, aquele menino Jesus foi esquecido. Ficou como uma lembrança da infância.

Quando, depois de adulto, comecei a perceber que as coisas mais importantes da vida eu as podia encontrar nas pessoas à minha volta, também comecei a perceber que há mais alguém junto comigo. Este alguém nunca se apresentou pessoalmente, mas está sempre comigo. E embora Ele nunca se apresente pessoalmente, se deixa notar pelas coisas que faz na minha vida.

Levou muitos anos para que eu pudesse notá-lo. Mas logo que pude notá-lo já descobri quem Ele era. Eu já o conhecia de uma certa forma, mas o conhecia como criança. E eu também era criança - talvez fosse natural que nos conhecêssemos assim. Mas não sou mais uma criança e, na minha vida, aquele menino Jesus hoje é Cristo. E o tempo inteiro esteve presente, mesmo que eu nunca tenha notado isto.

E, das coisas que Ele faz, coloca amigos no meu caminho. Quando parece que um problema não tem solução, alguém surge para ajudar. E eu não tenho dúvidas de que é Ele que os envia, mesmo que estes amigos não saibam disto.

Feliz Natal

Ângelo Beck

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